Educação para todos?

A taxa de cobertura aumentou, mas a creche ainda não é para todos

O acesso à educação nos primeiros anos de vida influencia todo o percurso escolar, assim como o desempenho futuro no mercado de trabalho. Isto justifica algumas políticas de incentivo à participação no sistema educativo desde os primeiros anos de vida.

O programa Creche Feliz, iniciado em 2022, impulsionou a expansão da rede solidária de creches, ao mesmo tempo que o setor privado-lucrativo respondeu à procura adicional nas zonas de maior densidade populacional. Apesar da modesta variação no número de creches, a capacidade efetiva, medida pelo crescimento significativo das vagas, revela um esforço concertado de expansão.

A taxa de cobertura das creches, que antes da implementação do programa Creche Feliz era cerca de 50%, passou para 55%, em 2023. Cerca de 87% das vagas estavam efetivamente ocupadas, em 2023, o que se traduz em 48% das crianças com idade inferior a 3 anos matriculadas em creches. Apesar deste esforço, a uni-versalidade permanece distante e subsistem assimetrias regionais.

A expansão da taxa de cobertura das creches atenuou desigualdades regionais, mas mantêm-se pontos de pressão no sistema

Em 2021, os concelhos da Grande Lisboa e da Área Metropolitana do Porto apresentavam taxas de cobertura de creche inferiores à média nacional. Apesar de aí existir o maior número de vagas, não era suficiente para acolher o também maior número de crianças. Os desequilíbrios territoriais assumiam, no entanto, alguma complexidade, estendendo-se a baixa cobertura a concelhos do Alentejo, do Algarve e dos distritos de Setúbal e Santarém.

Com a implementação do programa Creche Feliz, a taxa de cobertura aumentou em 78% dos concelhos de Portugal Continental. 

A melhor taxa de cobertura associada a uma taxa de utilização que se manteve estável resultou em melhorias na percentagem de crianças com menos de 3 anos em creche na generalidade das regiões de Portugal Continental. As zonas que apresentam taxas de cobertura mais baixas tendem a ser também aquelas onde a taxa de escolarização é menor.

A educação pré-escolar enfrenta desafios de equidade e de qualidade pedagógica para todos

A educação pré-escolar acolhe, quer as crianças que transitam da creche, quer as que ingressam no sistema educativo aos três anos de idade. A educação pré-escolar em Portugal Continental sofreu uma ligeira redução no número de estabelecimentos, refletindo uma consolidação da oferta numa estrutura marcada pela forte presença do setor público e privado dependente do estado.

Em 2022/23 eram 5.731 os estabelecimentos em funcionamento, dos quais cerca de 60% integravam a rede pública e 23% correspondiam a estabelecimentos privados dependentes do Estado, resultado direto das políticas de universalização do acesso. A rede apresentava assimetrias regionais significativas, com o setor privado independente do estado a complementar a oferta onde a procura era maior.

Na educação pré-escolar, a frequência já se aproximava bastante da universalidade: cerca de 94% das crianças dos 3 aos 5 anos estavam integradas na rede, em 2022/23.

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Rede pública

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Privado dependente do Estado



Mas, estes valores globais escondem diferenças significativas entre regiões. A taxa bruta de escolarização pré-escolar aumentou de forma consistente em todas as regiões, ultrapassando em algumas, como Centro e Alentejo, o limiar de 100%. Este efeito deve-se à matrícula de crianças fora da idade normal e reflete dinâmicas regionais distintas na calendarização de entrada no sistema educativo.

Por sua vez, a taxa real de escolarização, que considera apenas as crianças matriculadas com idade entre os 3 e 5 os anos, aproxima-se de níveis verdadeiramente universais em quase todas regiões, situando-se acima dos 90% de forma generalizada.

Crianças por educadores

Da análise da distribuição rácio crianças/educadores por concelho, sobressai um forte contraste litoral-interior. Nos concelhos costeiros, do Minho ao Algarve, este rácio é sistematicamente mais elevado, o que em muitos casos é reflexo do maior número de crianças ou de desafios na atração de profissionais. Grande parte dos concelhos do interior apresenta rácios inferiores à média nacional.

A escolarização no ensino básico é universal, enquanto no ensino secundário se aproxima da universalidade

A rede de estabelecimentos dos ensinos básico e secundário manteve uma presença próxima em todo o território. No ensino obrigatório, a escola pública (e o privado dependente do Estado) asseguram quase toda a cobertura. O ensino privado independente do estado ganha espaço no secundário, traduzindo a aposta das famílias em escolas mais seletivas e de maior reputação, encaradas como via privilegiada para o acesso ao ensino superior.

No ensino básico assistiu-se à redução dos alunos matriculados nos três ciclos, mas atingiu-se a escolarização universal: desde 2020/21 que a totalidade das crianças dos 6-14 anos está a frequentar este nível de ensino. A estas acresce um grupo crescente de alunos fora da idade típica para este nível de ensino, que pode resultar, por exemplo, de casos de retenção ou de entradas tardias, justificando taxas brutas de escolarização acima dos 100%.

Apesar de uma ligeira redução de 1,1% no número de alunos entre 20218/19 e 2022/23, a percentagem de alunos a frequentar o ensino secundário, no total da população com a idade normal para este nível, aumentou, atingindo cerca de 90% em 2022/23. 


Apesar da melhoria observada entre 2018/19 e 2022/23, a taxa real de escolarização permanece inferior à média nacional em várias regiões. A Região Autónoma dos Açores, o Alentejo e a Península de Setúbal são as regiões com maior percentagem. Paradoxalmente, as mesmas regiões exibem taxas brutas superiores a 100%, sinal de que a oferta de vagas é suficiente para acolher não só a coorte típica, mas também estudantes mais velhos que retomam ou prolongam o percurso devido a retenções, entradas tardias ou mudanças de curso. 


Enquanto as mulheres são em número muito superior ao dos homens nos cursos científico-humanísticos (55% do total), nos cursos profissionais a situação é inversa (apenas 38,4% de mulheres). A diferença resulta menos de restrições formais e mais de dinâmicas socioculturais, estrutura da oferta e expectativas de retorno económico. Enquanto quase metade dos alunos de cursos científico-humanísticos vive em famílias cuja escolaridade dominante é o ensino superior, isso só é o caso de 1 em cada 5 alunos do ensino profissional.

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Mulheres nos cursos científico-humanísticos

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Mulheres nos cursos profissionais

A diversificação de perfis de alunos aumenta as exigências colocadas ao corpo docente

O retrato dos recursos humanos é o de um corpo docente bastante feminizado e envelhecido.

A proporção de professores com 50 ou mais anos cresceu em ambos os níveis de ensino e nos vários ciclos, entre 2018/19 e 2022/23, revelando um défice na incorporação de profissionais mais jovens.

Esta tendência compromete a renovação geracional e aumenta o risco de falta de pessoal qualificado num futuro próximo.

O mapa dos rácios alunos/docente revela um padrão litoral-interior nos três ciclos do ensino básico e no ensino secundário, embora menos evidente do que na educação pré-escolar. Nos grandes eixos metropolitanos do litoral, sobretudo nas regiões que rodeiam os maiores centros, predominam rácios alunos/docente acima da média nacional. À medida que se avança para o interior Norte e Centro, os rácios tornam-se progressivamente mais baixos, refletindo escolas com menor pressão demográfica. O contraste é mais acentuado no ensino secundário.

O ensino superior consolidou a massificação

As mulheres representam cerca de 54% do corpo discente, que contrasta com a paridade de género do ensino secundário e reflete uma sobrerrepresentação feminina na transição para o ensino superior. 

Esta predominância feminina é também reflexo dos cursos científico-humanísticos, aqueles que apresentam as maiores taxas de conclusão e de transição para o ensino superior são igualmente os que registam maior proporção de alunas.

A expansão manifesta-se também no crescimento de 27% no número de alunos inscritos em cursos técnicos superiores profissionais (CTeSP), formações curtas e fortemente orientadas para o mercado de trabalho, e na reorganização dos ciclos de estudo após a gradual extinção dos mestrados integrados. Ainda assim, as licenciaturas continuam a representar a grande maioria dos inscritos, cerca de 63% em 2023/24.

No plano das áreas de estudo, assiste-se a um dinamismo particular nas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e na Educação, com forte crescimento relativo do número de estudantes inscritos, sem que isso diminua o grande peso histórico das Ciências Empresariais, Administração e Direito (22%) e das Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção (20%).

  1. A geografia das instituições de ensino superior continua centrada em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga e Aveiro. Em 2023/24, 63% do total de estudantes frequentava o ensino superior nestes concelhos.  
  2. A oferta cresce sobretudo em Engenharia, Indústrias Transformadoras e Construção, Saúde e Proteção Social e TIC, ajustando-se às necessidades do mercado e às aspirações dos estudantes.
  3. O Norte surge com grande oferta nas áreas CTEM, detendo mais de um terço das vagas em TIC e Engenharia Indústrias Transformadoras e Construção, mas também na Saúde e na Educação.
  4. A Grande Lisboa afirma-se na oferta de vagas em Ciências Sociais, Jornalismo e Informação (quase metade da oferta nacional) e Ciências Empresariais, Administração e Direito (mais de um terço).
  5. No Centro, a oferta distribui-se de modo mais equilibrado, destacando-se as áreas da Saúde e da Engenharia.

Apesar da sua massificação, o rácio de alunos por docente não aumentou

Educação inclusiva?

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